Eu li, no jornal i, que «O Governo está a estudar a transferência da gestão dos centros de saúde para os municípios, no âmbito da descentralização de competências que abrange também as escolas e a segurança social», e acredito que quem estuda, numa forma transversal, multidisciplinar e objetiva vai recolher os melhores e indispensáveis elementos para melhor decidir.
Mas, não posso deixar de me sentir um pouco “desconfiado”, pois também li que o ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, referiu que é «um diagnóstico” de Portugal como “um dos países mais centralizados” da Europa e “houve um consenso entre matérias que são prioritárias nesse processo de descentralização: Educação, Saúde e Segurança Social”.»
Também li que «O processo será feito numa lógica de negociação com municípios e Comunidades Intermunicipais (CIM)”, através de “projetos-piloto com alguns desses municípios e CIM”», com o objetivo de alargar essa descentralização a todo o país, disse o ministro.
Começam aqui as minhas dúvidas:
1. Descentralizar... a todo custo? ou a qualquer custo?
Peço imensa desculpa, e com todo o respeito que me merece quem decide o rumo do nosso país, independentemente das cores que vigoram (partidos), parece-me, salvo melhor opinião, ou porque eu não tenho capacidade para os perceber, por ignorância ou incompetência minha, que se trata de mais uma decisão impensada e descabida.
Além do mais, fico com a ideia que, ao mesmo tempo, se está a dizer que as autarquias têm maior capacidade organizativa e de gestão do que os serviços centrais ou regionais da administração pública. Jamais, digo eu.
Todo o tempo decorrido só pode ser considerado como, além de outros, um tempo de conhecimento, experiência, etc... o tal Know How, saber como, necessário e indispensável para melhor fazer.
2. Estamos a falar de descentralizar? Descentralizar o que já está descentralizado?
Por acaso já perceberam (estudaram) como poderiam melhorar essa descentralização existente (e tantas vezes já reorganizadas/reestruturadas), através, por exemplo, de atribuição de competências e responsabilidades aos gestores dos serviços existentes?
3. Terão as Câmaras o tal Know How para gerir a educação, a saúde e a segurança social? Ou será mais uma manobra de onerar aos outros aquilo que os senhores do poder não querem mais aturar?
Sim, é demasiado complicado encerrar Escolas, Delegações da Segurança Social, Centros de Saúde, Tribunais, só por que sim... e desta forma, parece que querem dizer as Câmaras que se safem, pois são estas que têm uma politica de proximidade com as populações e elas que se “amanhem” com o povo quando tiverem que tomar decisões que revoltem as populações e assim, quem está no poder pode dizer que a culpa não é deles. Tipo lavar as mãos como Pilatos.
4. Onde estão as competências das Câmaras para poder gerir estes serviços, mesmo que contratualizados? Vão contratar especialistas nas diferentes áreas ou vão ter que manter os mesmos?
Já nem pergunto se vão escolher, da forma como lhes convier, porque essa opção seria então a mais disparatada das decisões.
Na minha humilde opinião, não pode ser. Não se pode dispor diferente do que consagra a Constituição e se as Câmaras já não conseguem sobreviver com tantas competências que lhes estão atribuídas, o que podem elas fazer nestes sectores?
Vejamos de forma sucinta o que está expresso na Constituição, designadamente no artigo 64.º (Saúde):
Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.
- O direito à protecção da saúde é realizado:
- Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;
- Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;
- Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;
- O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.
Por outro lado, no âmbito dos direitos e deveres culturais, artigo 73.º, sob a designação de “Educação, cultura e ciência”, é claro que “Todos têm direito à educação e à cultura.”
«O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.»
No meu entendimento deveriam ser objecto de estudo as politicas aplicadas depois de implementadas as chamadas reformas do Estado - Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE) e do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC) -, de forma permanente, mas, por profissionais qualificados e com competências, sem uma relação direta com as cores partidárias, como avaliadores dos serviços, atendendo a uma lógica economicista, mas também, e mais do que tudo, numa lógica de racionalização de meios em conformidade com as efectivas necessidades.
Só posso concluir, e peço desculpa se estou errado, dizendo que mais uma vez se está a “chutar” para o lado as responsabilidades e competências sem que se pense no essencial. Na satisfação das necessidades da sociedade, da comunidade onde nos inserimos.
Mas, como quem pode manda e quem manda pode... siga.
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2013.02.07